quarta-feira, 12 de outubro de 2011

‘Um dia no Tibete’

Amanhece limpo. Geada.
Pesagem da bagagem: 1650kg para todo o grupo (a mim correpondem 61kg, 14 dos quais levo nas costas). O homem que fazia a leitura da balança (sustentada por outros dois) apenas via de um olho e este tinha-o em muito mau estado, a julgar pelo aspecto vermelho do globo ocular. Quando me dei conta, reparei que ao peso real de cada volume acrescentava sempre um ou dois quilos mais, não tenho a certeza se por defeito físico ou pelo defeito da cobiça!
Depois, iniciamos a caminhada para o Campo Intermedio (3h15’ de duração). Pressão atmosférica, 531mbar.
A hospedeira tibetana da ‘casa de chá’, uma das 4 tendas permanentes neste acampamento, depois de nos servir um chá de manteiga de yak e de me mostrar os seus dois filhotesa dormir, despreocupadamente sacou da teta e amamentou o último dos rebentos.
Enquanto isso, um jovem militar chinês de patente, na mesa do canto, jogando dominó com 3 tibetanos com uma atitude talvez mais submissa do que relaxada, apaga ostensivamente a beata no chão apesar do cinzeiro que tinha na frente do nariz; com o chapéu, para impor o devido respeito, afasta o outro pequenote que se aproximara com curiosidade e mimo, ao mesmo tempo que fala à boca grossa com os seus parceiros de jogo.
Entram 2 camionistas. A jovem mulher, no seu traje típico – a saia-avental, ou gaptel, por baixo da qual usa calças, e o cinto largo e colorido, ou cara – atende-os sem deixar de dar de mamar.
A casa de chá, com 6 mesas, é, simultaneamente, sala de jogo e de jantar, cozinha e quarto de dormir. A casa de banho? A natureza fria... - estávamos a 5.200metros de altitude.
E quando a jovem mãe, depois de acarinhar os filhos, ambos sofrendo de algo mais do que uma forte espectoração, depois de me mostrar como se prepara o chá num tubo longo e de se ocupar de algumas tarefas de limpeza, começava a parecer muito feminina, eis que arregaça a manga da blusa, puxa uma daquelas cuspidelas vindas do fundo da garganta, e mais fundo (também típico chinês e nepalês), deixa a saliva escorrer para o antebraço e, com o dedo indicador, esfrega-o como se estivesse a espalhar algum bálsamo regenerador...

Enquanto as grandes cidades do mundo vivem ao ritmo do sobe e desce do Dow Jones e de outros índices, e dos chorudos contratos de fornecimentos e de construção, nestas altitudes dos Himalaias continua a viver-se ao ritmo das panelas e da meteorologia, e do passo dos yaks!
Gopal, o nosso cozinheiro, já aprendeu a dizer ‘obrigado’. Agora andamos a insistir com o ‘Bom dia’!

Foto 3: Landomat e Tenda, as duas filhas, com um dos bebes; ao fundo o perfil do Cho Oyu

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