sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Viajar e encontrar-se ...

Mais passagens do próximo livro, 'Os novos exploradores e a aventura dos sentidos':
Costumo dizer que ‘os portugueses passaram de pobres a comodistas’, para justificar a falta de tradição na prática desportiva e na viagem, e as opções de vida da maioria, que privilegia a segurança material … A partir das décadas pós 25 de Abril, em que o crescimento económico (mais do que um verdadeiro ‘desenvolvimento’) se reflectiu num aumento do poder de compra dos portugueses, este foi direccionado para a aquisição de bens materiais (casa, carro, electrodomésticos, …), quase ignorando os verdadeiros alimentos da alma …. Viajar é um dos investimentos pessoalmente mais enriquecedores mas, infelizmente e geralmente, um dos menos produtivos. Recordo a afirmação do Henrique Moraes, para quem “a viagem é uma das melhores escolas da vida”. Quanto mais não seja para adquirir uma perspectiva do nosso próprio país visto de fora (coisa que faz falta a muitos politicos e autarcas do nosso país).

O escritor e poeta Miguel Torga (1907-1995) via-se como “um novo andarilho”: "No meu sangue há uma ancestralidade nómada pelo menos tão vigorosa como a atracção dos pólos nativo e adoptivo a que regresso sempre. É uma necessidade de caminhar, de devorar léguas, de conhecer terras, de perspectivar o mundo de todos os ângulos." Dos portugueses, escreveu: "É nossa sina não caber no berço. Desde os primórdios que somos emigrantes. O português pré-histórico já era aventureiro, navegador, missionário, semeador de cultura”, mostrando que a ‘falta de tradição’ a que me referi não foi senão um hiato temporário, entre a época dos navegadores e missionários e os tempos modernos, durante o qual os portugueses se dedicaram a amealhar bens materiais …

Com a ajuda de exemplos que nos chegam do estrangeiro e a contribuição de histórias divulgadas em revistas e nos canais temáticos (…), estaremos a saír daquela fase de comodismo geral. Ainda nos admiramos com os hábitos das populações do norte da Europa e o seu uso generalizado da bicicleta ou, como observamos na Suiça, como pessoas de idade superior a 50 e 60 anos esquiam e caminham nas montanhas, com botas, bastões e demais equipamento apropriado. Admirável ! É uma questão cultural, justificamos. Mas, hoje, mais portugueses praticam desporto (ainda que nem todos sejam desportistas), enquanto outros consideram opções menos convencionais de vida, abandonando o seu nicho de segurança e ‘arriscando’ a viver de actividades menos comuns - tornam-se viajantes profissionais (vivem do surf, da fotografia, da organização de expedições …), de acordo com uma sua filosofia própria, na procura da
auto-satisfação e harmonia interior. Entre nós, já despoletaram novos ‘grandes viajantes’. Além dos ‘viajantes desportivos’ - aqueles que realizam expedições de elevada dificuldade (apresentei uma série deles no livro anterior) -, aqui destaco sobretudo experiências de viajantes em distância, em duração, ou ‘em quantidade’. Desde os que vão de mochila e optam por dormir em lugares baratos (e o defendem para justificar a sua ‘arte de viajar’), até aqueles para quem isso não é o mais importante e se alojam em hoteis requintados. Desde os fotógrafos e repórteres, que podem justificar as suas viagens com o trabalho, aos que abertamente se definem como nómadas …. Todos vão em busca de algo. Frequentemente, o encontro consigo mesmos.