sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ambientes monótonos para escapar … da monotonía !?!


Num momento absolutamente monótono - estou ‘fechado’ em casa há mais de duas semanas, à espera de ser enviado para Sevilha para ser operado ao joelho (em consequência do acidente de ski), e entretenho-me a ver o cabelo crescer e a procurar clareiras na barriga para diáriamente lhe espetar a seringa de heparina, o anti-coagulante -, recordo uma travessia completamente solitária, envolta por um horizonte branco e infinito: foi no longo e monótono vale do glaciar Kahiltna, no Denali, onde vivi um dos meus momentos zen …

No meu novo livro (já concluido) falo duma investigação em que John Geiger, dando exemplos de sobreviventes em ambientes extremos, conclui que «o homem procura constantemente novos estímulos em novos ambientes para contornar a monotonia. É um facto que cada vez há mais pessoas a participar em viagens de resistência, em ambientes extremos e invulgares. Exploradores polares, alpinistas, marinheiros solitários, aviadores e astronautas, são os frequentadores destas áreas (montanhas, selvas, desertos, campos de neve, oceano e espaço), onde o ambiente de estímulo externo permanece relativamente inalterado e homogéneo. Estas pessoas, normalmente, têm como caracteristica pessoal um maior grau de ‘abertura à experiência’, que se traduz numa maior “vontade de explorar, considerar e tolerar experiências, ideias e sensações novas e não familiares”. Mas, como notou Geiger, “o cérebro depende da estimulação contínua resultante do bombardeamento sensorial”. Ao permanecer exposto àquele tipo de ambientes difíceis, caracterizados por um baixo nível de estímulo, por isolamento e monotonia sensorial, o potêncial de acidentes resulta duplamente agravado. A conclusão do autor é interessante: “É um facto curioso que os exploradores se sintam impelidos para ambientes rigidamente monótonos num esforço para escapar da … monotonia.”
(next: apontamentos da expedição no Alaska …)
Fotos: glaciar Alasca

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Fim do projecto Ice Care …

Em ‘Hora de responsabilidade …’ (post de 06.11.09) escrevi: «Nos dias conturbados em que vivemos, com os sucessivos escândalos económicos protagonizados pelos nossos politicos, vem a propósito um trecho do meu próximo livro. Não para apaziguar a revolta que sentimos, mas para mostrar que há muito que os desportistas estão num domínio muito superior ao dos politicos, no plano ético e moral (…): Philip Kerr explica como as pessoas terão desenvolvido uma atitude de resignação face aos escândalos sem fim, que se verificam no mundo da politica e dos negócios. Mas aceitar isso num desportista ou aventureiro, é outra coisa: “o desporto parece ser muito mais importante para as pessoas do que a politica, (…) cruza as fronteiras étnicas e partidárias. Ocupa um dominio superior, e torna-se muito mais decepcionante quando figuras do desporto revelam ser, afinal, como toda a gente”».

Vem isto a propósito do motivo do meu abandono do projecto Ice Care. Por vezes envolvemo-nos em iniciativas com pessoas que dissimulam os seus objectivos e se esquecem que a causa que ‘pretendem’ defender tem que ver com comportamentos e atitudes muito mais do que com o ego e proveitos pessoais, como a eficácia em realizar dinheiro, própria do estilo de gestão agressivo e irresponsável da época ‘pré-crise’.
Precisamente, o outro promotor da iniciativa, utilizando uma causa social nobre como fachada para obter proveitos pessoais, faltou à verdade desportiva divulgando dados incorrectos para obter “mais impacto” (nas suas palavras): os “15kg pendurados nas costas” (que não eram mais de 5kg) e as “12h por dia em cima de uma bicicleta” (que nunca chegou a tanto) na viagem Paris-Suiça; ou os 750 km que afirmava ir percorrer em bicicleta, quando na verdade eram 640, dos quais ele não percorreu os últimos 30 (fê-lo sentado num automóvel), e a sua recusa de caminhar um par de horas extra para chegar à lingua do glaciar Aletsch, cujo registo fora planeado, foram alguns deles…
Em carta aberta, agradecendo às pessoas e instituições envolvidas e lamentando a situação, tentei explicar o meu afastamento ...
«O acumular de motivos que me levam a pôr termo à colaboração neste projecto, fundamentalmente de ordem ética, graves a meu ver, vão da falta de verdade desportiva, às intenções de aproveitamento económico, por parte do promotor JM: (…) Não estive conforme com inúmeras outras atitudes, (…) como o permanente ‘esquecimento’ de me entregar parte do equipamento atribuido por marcas sponsor (inclusive na hora da partida para o Quénia); ou a referência (no site) a pessoas e entidades como ‘colaboradores’ do projecto, quando de facto nunca o foram (e das pessoas que o foram, todas com curricula muito valiosos, nenhuma voltou a participar!?!) … Realmente de lamentar foi a tentativa de se aferrar ao controle das várias áreas do projecto, a partir do momento em que conseguiu o primeiro apoio monetário; e a sua conduta com as questões de ordem económica, começando com a transferência do apoio monetário para a sua conta particular… Recordo ter-me dito que entrava neste projecto numa fase em que o seu empregador lhe devia e estava “mal de dinheiro”… Não sou contra essa forma de ganhar dinheiro, mas pretender fazer-se cobrar ‘por hora’ com o dinheiro dos patrocinios (mail no final) depois de apregoar públicamente o carácter ‘pro bono’ da inicitiva !?! e ainda vir fazer exigências para devolver o valor correspondente aos gastos com as viagens efectuadas !?! Recusei participar em tal esquema, pois o motivo pelo qual investi tantas horas na preparação dos programas prendia-se com a causa em si e com o desafio envolvido (nunca com compensações económicas).
O objectivo desta carta é simplesmente distanciar-me dos seus objectivos pessoais encobertos, e garantir que o meu nome não seja envolvido nas suas manipulações e polémicas de ordem económica, tão proliferas nos dias que correm». Escrevo desde há vários anos sobre desporto, natureza e ecologia, e não posso fazer o contrário daquilo que escrevo, ao contrário de outros que caem de pára-quedas ao ver uma oportunidade de negócio. Tire as suas conclusões … O projecto fica côxo e a sua credibilidade irremediavelmente comprometida.
Parece que gastei tempo, suor e dinheiro, a favor de uma pessoa de maus principios e com um ego maior do que a própria causa… mas sentir-me-ei compensado ao saber que aumentou o número de pessoas sensiveis à questão das alterações climáticas.
(Foto: glaciar Aletsch, tal como a moral, ‘na penumbra’)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Boa, João!

Em 2007 entrevistei o João para resumir a sua história no livro ‘Aventura ao Máximo’. Em ‘Os Novos Exploradores e a Aventura dos Sentidos’, volto a escrever sobre o João, actualizando informação, agora que ele está a caminho do cume do Annapurna…
«A maior referência do montanhismo em Portugal continua a ser o João Garcia, primeiro e único português a alcançar o cume do Everest (1999). Em 2010, no âmbito do seu projecto ‘À Conquista dos Cumes do Mundo’, ele concluiu a sua saga para ascender a todas as 14 montanhas de 8 mil metros, logrando o importante feito de colocar Portugal na história do montanhismo, além de elevar o seu nome na história do desporto nacional …
Dia 5 de Maio de 2008! Um helicóptero russo transportando uma equipa de 8 alpinistas (entre os quais o basco Juanito Oiarzabal) e 7 nepaleses, falhava a aterragem no glaciar do campo base. O MI17 ficou inoperacional, mas a tragédia foi evitada. A cena passou-se no Makalu enquanto o João, ignorando o incidente, fazia a sua aclimatação mais acima, transferindo material entre os campos 1 e 2. Tentava o seu décimo cume de 8 mil metros mas o extremo frio verificado no campo 3 levou alguns alpinistas a recuar. João mantêve-se firme e, no dia 19, solitário, alcançou o cume. Nesse dia, apenas outro montanhista (um francês) com o respectivo guia sherpa chegaram ao cume … Fernando, um granadino (da loja ‘Sherpa’), estava lá e teve que se retirar com o seu numeroso grupo - 5 deles receberam assistência hospitalar para tratar congelações nas mãos e pés.
Dois meses depois, no Broad Peak, a expedição do João foi marcada por uma queda de pedras que feriu um companheiro, o dinamarquês Mogens, e um iraniano, quando todos subiam ao campo I (…). No final, cansado, João disse: "… praticamente 24 horas de esforço ininterrupto, não conheço nenhum desporto que seja assim... O Broad Peak é bem mais perigoso e bem mais técnico do que muita gente faz crer” (…). João começava “a ver a luz ao fundo do tunel”, com a perspectiva de terminar este monstruoso projecto dos 14 cumes mais altos da Terra. Faltavam-lhe 3! No dia 28 de Abril de 2009, João alcançou o cume do Manaslu e, logo a 14 de Junho, iniciou o trekking de aproximação ao Nanga Parbat: chegou ao cume, com muito frio e gêlo, a 10 de Julho (então, essa montanha reclamou a vida de um austriaco e da sul-coreana ‘miss Go’, por esgotamento, quando tentava o seu 12º oito mil). ‘Só’ lhe faltava a ‘Deusa da Abundancia’ - o Annapurna! Curiosamente, a primeira das 14 montanhas gigantes, em que alguém pisou o cume. Conseguiu-o a 17 deste mês. São apenas 19 os montanhistas que pisaram os 14 cumes de 8 mil, mas o João foi o décimo a fazê-lo sem oxigénio. Tudo ‘limpo’ e à primeira …. Espectacular! Boa, João!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Pausa nas Aventuras ...

Estava já em preparativos para a travessia Piombino-Córsega (cerca de 90 km) em kayak, prevista para Junho, seguida de um trekking de uns 15 dias no GR20 da ilha gaulesa. Mas a 10 de Abril, a uma semana do final da temporada de ski em Sierra Nevada, tive uma queda numa pista de ski-cross e lixei o joelho direito por muito tempo... A fase de recuperação vai durar! Os treinos em ginásio e montanha e os programas de primavera-verão (travessia em kayak para a Córsega e trekking; ascenção ao Triglav na Eslovénia e, provávelmente, a expedição com esquis ao Cho Oyu, nos Himalaias, para Setembro) ficam para as calendas...

A propósito de um novo ensaio que comecei a escrever, tentei recordar os episódios que mais fortemente me ficaram gravados na retina e que me vêem de imediato à memória quando penso em experiências positivas. São outro tipo de aventuras, que pouco têm que ver com esforço físico …
Algumas, são referidas em ‘Os novos exploradores e a aventura dos sentidos’, a propósito de ‘Maravilhas do Mundo’, onde apresento 10 experiências pessoais que considerei interessantes e marcantes, ‘diferentes do habitual’, resultantes do contacto com a natureza e culturas de outros cantos da Terra: «Onde é que nos pode suceder ter uma bela loira a passear-nos numa bicicleta (literalmente – já que eu ia pendurado atrás) pelos caminhos de uma vila tipica ou, chegar dos 2 aos 2.000 metros de altitude em meia hora? Vivi-o em Alkmaar, Holanda (1990) e em Tenerife (2002), respectivamente… Poderia mencionar outros momentos, como os vividos com: a travessia da Europa central em moto (1990); a volta a conta-relógio à ilha de Ibiza (1991); a travessia da Floresta Negra em bicicleta ou a Oktoberfest de Munique (1993); as efusivas largadas de touros nas festas de San Fermin, em Pamplona (1995); o fim de ano nas dunas do Erg Chebi - deserto a sul de Marrocos (2001); a descida do vulcão Villarica, Chile, em tobogan (2003); a ascenção e pernoita no vulcão do Pico, depois da travessia em kayak desde a ilha do Faial, Açores (2003); o contacto com o povo Cuna nas ilhas de San Blás (Panamá), nadando e cirandando num kayuko entre as várias ilhotas (2004); ou a travessia das montanhas de Andorra a pé – cerca de 100 km (2008) …. Mas os mais especiais, pelo seu simbolismo, foram os que resultaram de: subida da mítica montanha Kilimanjaro, na Tanzania, seguida de emocionante safari nos parques de Ngorongoro e Serengueti (Dez.97); mergulho com raias nos baixíos ao largo da ilha Gran Cayman, Caraíbas (Abr.04); pôr-do-sol visto das esplanadas de Fira, no alto da falésia (parte do cone do antigo vulcão), na ilha de Santorini, Grécia (Mai.04); passeio nas ruelas e canais de Veneza – para perceber o dito popular “see Venice and die …” (Mai.04); a adrenalina do sky diving sobre a tranquilidade do ‘acolchoado’ de dunas do deserto da Namibia, em Swakopmund, e o sandboard na Duna 45, uma das mais altas do mundo (Set.04); subida da montanha Table Mountain (1.088m), para contemplar a Cidade do Cabo, o Cabo da Boa Esperança e o oceano, África do Sul (Set.04); mergulho (scuba) com tubarões (limão e white tip) e tartarugas verde, nas límpidas águas de Moorea – frondosa ilha de sonho, na Polinésia francesa (Ago.04); travessia dos Andes, a norte da Patagónia – subindo a vulcões, banhando-me em termas naturais e percorrendo a rota dos 7 lagos (Jan.05); observação de baleias, orcas e leões marinhos, junto aos glaciares de Seward, Alasca (EUA) – além de inesperados encontros com ursos negros, alces e raposas vermelhas, em Denali (Jun.08); jantar o típico fondue de queijo num chalet suiço de montanha, seguido de divertida descida de vários kms em trenó de neve (com pausas para beber ‘Glüwein’), na sombra dos cumes Eiger e Jungfrau (Jan.09).

(Fotos: 1= povo Cuna, ilhas San Blás; 2= raias, ilha G.Cayman; 3= Santorini, Grécia ; 4= Lago Escondido, Andes)