Ella Maillart: “Apesar de tudo e antes que nada, a melhor maneira de desfazer-se de um desejo obsessivo, é realizá-lo!”
Se quisermos recuar no tempo para descubrir a primeira mulher viajante e aventureira, provávelmente deparamos com a história de freira Egeria. De origem galega, é considerada uma das ‘primeiras viajantes’. Viajou entre 381 e 384 por todo o Médio Oriente, seguindo as pisadas dos lugares bíblicos e contrariando as regras para chegar a Jerusalém, Egipto e Mesopotamia. Naqueles tempos viajar não era coisa de “todos os dias”: as dificuldades de transporte e o tempo requerido para percorrer aquelas distâncias, convertiam a actividade em algo para pessoas com espírito de viajante. O seu relato, dando conta de detalhes de lugares, pessoas, curiosidades e costumes, seria o primeiro livro espanhol de viagens: Itinerarium ad Loca Sancta. A primeira edição deste livro foi imprimida por Gamurrini em 1887 (a primeira tradução espanhola é de 1924, por Pascual Galindo Romero).
Nos vários livros que retratam mulheres viajantes, encontramos referências à curiosa história da audaz Freira Alferes, à travessia oceanica de Isabel Barreto ou às bravuras da pirata Grace O´Malley.
Uma justificação para o reduzido número de mulheres viajantes chegou-me num artigo de Anna T. Farran (in revista Introversion, de 15.11.09): “O sexo feminino teve que percorrer um longo caminho passando por cima de críticas e preconceitos sociais. A maioria delas, nem sequer passaram à história porque a aventura era coisa de homens”.
A circunstância de mulheres que viajavam sós para explorar, conhecer e descubrir, era diferente: “Em séculos passados estas mulheres pagavam um preço muito elevado para chegar a fazer realidade o seu sonho de liberdade”. Na Inglaterra victoriana, muitas mulheres viajantes e aventureiras quiseram correr mundo, imbuídas do espírito efervescente de descoberta e conquista que imperava, bem como fruto da rebeldia contra usos e costumes hipócritas da época. Partiam por sua conta já que nem a Real Sociedade Geográfica de Londres, entidade que financiava os aventureiros ingleses, sequer reconhecía que uma mulher estivesse física e psiquicamente capacitada para viajar. Crónicas da época diziam que estas “eram feias, maria-rapaz e estranhas” !!! As que chegavam a lançar-se à aventura eram normalmente aristocratas, em boa posição social, mas perante a sociedade eram de moral duvidosa e tinham que enfrentar os convencionalismos, a chacota, a crítica, o desprezo da família e, não raro, a renúncia à herança. Daí também o mérito daquelas mulheres que largavam o seu conforto para ir viver com os beduinos no deserto ou para levar uma vida nómada e selvagem.
Segundo a psicóloga clínica, Neus Figueras (citada no mesmo artigo), os motivos que empurram uma pessoa para a aventura são a inquietação, a procura do novo, do conhecimento de si próprio e do mundo, de ampliar horizontes e a sabedoria que aporta o espírito descobridor: “as mulheres aventureiras não têm medo do risco e das suas consequências; enfocam os seus esforços naquilo que lhes interessa, por isso são muito estudiosas e preparam-se bem (lady Jane Digby, quando chegou a Damasco em 1893, falava árabe, turco e curdo …). São mulheres de carácter forte, seguras, com vistas largas, independentes, transgressoras e rebeldes e com um objectivo claro. Não são membros passivos da sociedade e querem demonstrá-lo a si mesmas e aos demais”… (continua)
Foto: Freira Alferes ou Catalina de Erauso
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