(continuaçao) ...
O século XX, brindou-nos com ínumeros exemplos de mulheres que relizaram arrojadas viagens em solitário, sem os “50 baús, a banheira às costas e toda a sua equipa de carregadores”, que valeram apelidos como “ridiculas”, às aristocratas inglesas do passado: em 1932, Amelia Eahart (EUA) foi a primeira mulher a realizar um vôo transatlântico a solo; em 1952, Ann Davison (GB) realizou a primeira travessia do Atlântico em veleiro a solo; em 1970, Maureen Wheeler, com 22 anos, e o seu noivo Tony (26) percorreram a Ásia a bordo de um velho Mini, com um punhado de dólares no bolso e “muito sentido de aventura” para celebrar a sua ‘Lua de Mel’ - da Turquia à Austrália, passando por Irão, Afeganistão, Paquistão, India e Nepal, popularizaram a ‘hippie trail’; em 1975, a japonesa Junko Tabei, foi a primeira mulher no cume do Everest, depois de ter sido soterrada por uma avalancha e salva por sherpas que localizaram o seu tornozelo e o puxaram para a vida (foi também a primeira mulher a conseguir alcançar o cume dos ‘Seven Summits’).
Na última década, assitimos a outros desafios extremos, no feminino: em 1993, a escaladora norte americana Lynn Hill foi a primeira pessoa a escalar o difícil penhasco “The Nose”, em Yosemite (em 1994, repetiu a façanha em menos de 24 horas); em 2005, a inglesa Ellen MacArthur, bateu o recorde da volta ao mundo mais rápida em veleiro, em solitário; em 2006, a inglesa Denise Caffari, realizou a primeira volta ao mundo em veleiro, em solitário e em contra-corrente; em 2007, a britânica Roz Savage, tornou-se na primeira mulher a tentar a travessía do Pacífico a remos (após ter atravessado o Atlântico em 2006, numa viagem de 103 dias, entre as Canárias e a ilha de Antigua); em 2009, 19 mulheres completaram a ascenção dos ‘Sete Cumes’; no final do mesmo ano, 5 outras tinham acumulado a chegada ao cume de pelo menos 11 das 14 montanhas de mais de 8 mil metros: a sul-coreana ‘miss Go’ (falecida por esgotamento no Nanga Parbat, ao tentar o seu 12º cume); a italiana Nives Meroi (que desistiu em 2008 da corrida aos 14 cumes, quando o seu marido adoeceu no Kangchenjunga); a espanhola Edurne Pasabán de 37 anos, que em 2010 tentará o Shisha Pangma e o Annapurna (até Maio) para se tornar na primeira mulher a cumprir todos os 14 oitomil; e a também coreana Oh Eun Sun, a quem apenas falta o Annapurna para alcançar a mesma marca.
Hoje, já ninguém se admira que uma mulher se lance à aventura em qualquer âmbito e que os seus êxitos sejam reconhecidos, mas ainda há mulheres que se aventuram com risco da própria vida, por causas humanitárias, de protecção de animais ou da saúde do planeta e cujos nomes mal se conhecem. O estatuto da mulher alterou-se completamente com o evoluir dos tempos. Ainda assim, os meios de comunicação destacam as mulheres aventureiras “desde o ponto de vista de que o logro conseguido tem mais mérito pela suposta fragilidade da mulher”. Cristina Morató (autora do livro ‘Viajeras intrépidas e aventureras’) corrobora afirmando que “ainda hoje continua a ser um mundo masculino, pelo que nos meios de comunicação não ocupamos o mesmo espaço que eles a não ser que sejas, além do mais, modelo e bonita como Araceli Segarra. Neste sentido avançámos pouco”. A espanhola Araceli é um caso mediático. Uma mulher multifacetada cujo perfil foi retratado da seguinte forma num número da ‘Vincci Magazine’: “Podia-se defini-la como escaladora, modelo, escritora, ilustradora ou conferencista, mas talvez a palavra ‘entusiasta’ seja a que melhor define o poliedro que as suas multiplas ocupações formam (…) Uma mulher que pode com qualquer desafio que se lhe ponha pela frente”. Antes de tudo Araceli é uma aventureira e se de algo se pode presumir é do seu amplo curriculum de montanhista. Aos 15 anos iniciou-se no mundo da espeleologia, aos 18 subiu acima dos 3.000 metros e aos 21 realizou a sua primeira expedição aos Himalaias. Na primavera de 1996 festejou os 26 anos no campo base da mítica Everest e, poucos dias depois, tornou-se na primeira espanhola a pisar o cume mais elevado da Terra. “As montanhas de cada um ensinam-te muitas coisas. Eu não quero subir as mais altas, mas sim as que são difíceis, aquelas que supõem um desafio para ti e implicam superação”, disse em entrevista. As outras facetas profissionais da sua vida enfrenta-as de modo idêntico: “No fundo é tudo o mesmo, mas com matizes diferentes, como as montanhas”. Araceli colabora com diversas revistas, participou em documentarios televisivos e no filme “Sete anos no Tibete”; realizou o best seller da National Geographic “Everest, mountain without mercy”. Nas suas conferências, utiliza a ‘montanha’ como metáfora de vida.
Em Portugal, alguns exemplos de viajantes e aventureiras foram destacados nos meus livros: as repórteres Maria Assunção Avillez e Ana Isabel Mineiro; a antropóloga Joana Roque de Pinho (viveu 2 anos com tribos Maasai, no Quénia); a montanhista Daniela Teixeira, 1ª portuguesa a 8 mil metros de altitude; a piloto Elisabete Jacinto, vencedora no rali Paris-Dakar; …
Fotos (1a, Lynn Hill; 2a, Elisabete Jacinto)
Livros: Carlos Pascual Gil “El viaje de Ejeria” (LAERTES, 1994); A. Arce “Itinerario de la Virgen Egeria (381-384)” (Editorial Biblioteca Autores Cristianos, 1996); Alexandra Lapierre/Christel Mouchard “ “Grandes Aventureiras 1850-1950”; Eric Le Nabour “As Grandes Aventureiras da História” (Javier Vergara Editor); Cristina Morató “Viajeras intrépidas y aventureras”, “As raínhas de África”, “As damas do Oriente” e “Cativa na Arábia” (Plaza & Janés SA); Robin Maxwell “Wild Irish”; José Tavares “Aventura ao Máximo – os novos exploradores lusos” (Europa-América, 2008) e “Os novos exploradores e a aventura dos sentidos”.
trata do Livro 'Os novos exploradores lusos', suas sequelas, e outras crónicas de viagens...
segunda-feira, 22 de março de 2010
terça-feira, 16 de março de 2010
Mulheres Aventureiras I
Ella Maillart: “Apesar de tudo e antes que nada, a melhor maneira de desfazer-se de um desejo obsessivo, é realizá-lo!”
Se quisermos recuar no tempo para descubrir a primeira mulher viajante e aventureira, provávelmente deparamos com a história de freira Egeria. De origem galega, é considerada uma das ‘primeiras viajantes’. Viajou entre 381 e 384 por todo o Médio Oriente, seguindo as pisadas dos lugares bíblicos e contrariando as regras para chegar a Jerusalém, Egipto e Mesopotamia. Naqueles tempos viajar não era coisa de “todos os dias”: as dificuldades de transporte e o tempo requerido para percorrer aquelas distâncias, convertiam a actividade em algo para pessoas com espírito de viajante. O seu relato, dando conta de detalhes de lugares, pessoas, curiosidades e costumes, seria o primeiro livro espanhol de viagens: Itinerarium ad Loca Sancta. A primeira edição deste livro foi imprimida por Gamurrini em 1887 (a primeira tradução espanhola é de 1924, por Pascual Galindo Romero).
Nos vários livros que retratam mulheres viajantes, encontramos referências à curiosa história da audaz Freira Alferes, à travessia oceanica de Isabel Barreto ou às bravuras da pirata Grace O´Malley.
Uma justificação para o reduzido número de mulheres viajantes chegou-me num artigo de Anna T. Farran (in revista Introversion, de 15.11.09): “O sexo feminino teve que percorrer um longo caminho passando por cima de críticas e preconceitos sociais. A maioria delas, nem sequer passaram à história porque a aventura era coisa de homens”.
A circunstância de mulheres que viajavam sós para explorar, conhecer e descubrir, era diferente: “Em séculos passados estas mulheres pagavam um preço muito elevado para chegar a fazer realidade o seu sonho de liberdade”. Na Inglaterra victoriana, muitas mulheres viajantes e aventureiras quiseram correr mundo, imbuídas do espírito efervescente de descoberta e conquista que imperava, bem como fruto da rebeldia contra usos e costumes hipócritas da época. Partiam por sua conta já que nem a Real Sociedade Geográfica de Londres, entidade que financiava os aventureiros ingleses, sequer reconhecía que uma mulher estivesse física e psiquicamente capacitada para viajar. Crónicas da época diziam que estas “eram feias, maria-rapaz e estranhas” !!! As que chegavam a lançar-se à aventura eram normalmente aristocratas, em boa posição social, mas perante a sociedade eram de moral duvidosa e tinham que enfrentar os convencionalismos, a chacota, a crítica, o desprezo da família e, não raro, a renúncia à herança. Daí também o mérito daquelas mulheres que largavam o seu conforto para ir viver com os beduinos no deserto ou para levar uma vida nómada e selvagem.
Segundo a psicóloga clínica, Neus Figueras (citada no mesmo artigo), os motivos que empurram uma pessoa para a aventura são a inquietação, a procura do novo, do conhecimento de si próprio e do mundo, de ampliar horizontes e a sabedoria que aporta o espírito descobridor: “as mulheres aventureiras não têm medo do risco e das suas consequências; enfocam os seus esforços naquilo que lhes interessa, por isso são muito estudiosas e preparam-se bem (lady Jane Digby, quando chegou a Damasco em 1893, falava árabe, turco e curdo …). São mulheres de carácter forte, seguras, com vistas largas, independentes, transgressoras e rebeldes e com um objectivo claro. Não são membros passivos da sociedade e querem demonstrá-lo a si mesmas e aos demais”… (continua)
Foto: Freira Alferes ou Catalina de Erauso
Se quisermos recuar no tempo para descubrir a primeira mulher viajante e aventureira, provávelmente deparamos com a história de freira Egeria. De origem galega, é considerada uma das ‘primeiras viajantes’. Viajou entre 381 e 384 por todo o Médio Oriente, seguindo as pisadas dos lugares bíblicos e contrariando as regras para chegar a Jerusalém, Egipto e Mesopotamia. Naqueles tempos viajar não era coisa de “todos os dias”: as dificuldades de transporte e o tempo requerido para percorrer aquelas distâncias, convertiam a actividade em algo para pessoas com espírito de viajante. O seu relato, dando conta de detalhes de lugares, pessoas, curiosidades e costumes, seria o primeiro livro espanhol de viagens: Itinerarium ad Loca Sancta. A primeira edição deste livro foi imprimida por Gamurrini em 1887 (a primeira tradução espanhola é de 1924, por Pascual Galindo Romero).
Nos vários livros que retratam mulheres viajantes, encontramos referências à curiosa história da audaz Freira Alferes, à travessia oceanica de Isabel Barreto ou às bravuras da pirata Grace O´Malley.
Uma justificação para o reduzido número de mulheres viajantes chegou-me num artigo de Anna T. Farran (in revista Introversion, de 15.11.09): “O sexo feminino teve que percorrer um longo caminho passando por cima de críticas e preconceitos sociais. A maioria delas, nem sequer passaram à história porque a aventura era coisa de homens”.
A circunstância de mulheres que viajavam sós para explorar, conhecer e descubrir, era diferente: “Em séculos passados estas mulheres pagavam um preço muito elevado para chegar a fazer realidade o seu sonho de liberdade”. Na Inglaterra victoriana, muitas mulheres viajantes e aventureiras quiseram correr mundo, imbuídas do espírito efervescente de descoberta e conquista que imperava, bem como fruto da rebeldia contra usos e costumes hipócritas da época. Partiam por sua conta já que nem a Real Sociedade Geográfica de Londres, entidade que financiava os aventureiros ingleses, sequer reconhecía que uma mulher estivesse física e psiquicamente capacitada para viajar. Crónicas da época diziam que estas “eram feias, maria-rapaz e estranhas” !!! As que chegavam a lançar-se à aventura eram normalmente aristocratas, em boa posição social, mas perante a sociedade eram de moral duvidosa e tinham que enfrentar os convencionalismos, a chacota, a crítica, o desprezo da família e, não raro, a renúncia à herança. Daí também o mérito daquelas mulheres que largavam o seu conforto para ir viver com os beduinos no deserto ou para levar uma vida nómada e selvagem.
Segundo a psicóloga clínica, Neus Figueras (citada no mesmo artigo), os motivos que empurram uma pessoa para a aventura são a inquietação, a procura do novo, do conhecimento de si próprio e do mundo, de ampliar horizontes e a sabedoria que aporta o espírito descobridor: “as mulheres aventureiras não têm medo do risco e das suas consequências; enfocam os seus esforços naquilo que lhes interessa, por isso são muito estudiosas e preparam-se bem (lady Jane Digby, quando chegou a Damasco em 1893, falava árabe, turco e curdo …). São mulheres de carácter forte, seguras, com vistas largas, independentes, transgressoras e rebeldes e com um objectivo claro. Não são membros passivos da sociedade e querem demonstrá-lo a si mesmas e aos demais”… (continua)
Foto: Freira Alferes ou Catalina de Erauso
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