(continuaçao...)
«Outras histórias do Denali dizem que foi avistado um esquilo a 3.900 metros de altitude, numa passagem rochosa pela qual estávamos a progredir, e que ficou conhecida como ‘squirel point’ (ponto do esquilo). A mais extraordinária, no entanto, fala de um urso que foi avistado no Tahiltna Pass, a subir na direcção do campo 4. Depois, … desapareceu !!! Crê-se que terá caído numa crevasse, das muitas que abundam por alí.
Um passo depois do outro. É preciso continuar. Lembro-me de uma conversa com um colega de trabalho, um psicólogo com quem fazia equipa, enquanto consultor na Egor: este preguntou-me em que pensavam os atletas enquanto corriam a maratona. Imagino que a sua mente divaga entre recordações e pensamentos positivos, alternando com pensamentos e palavras de auto-motivação para seguir o seu objectivo. Talvez seja diferente com os profissionais. Talvez estes consigam manter-se focados no seu objectivo durante todo o tempo, ignorando as dores e dificuldades !? Mas penso que não. Fá-lo-ão por mais tempo, mas não todo o tempo, e utilizarão estratégias para manter a sua mente ocupada, alternadamente entre o objectivo e alguma coisa positiva. Esta é, pelo menos, a minha experiência pessoal, mas eu não sou profissional, nem tenho acompanhamento de peritos …
Continuo. Um, dois, um, … De súbito, quase a chegar ao Windy Corner, parece que cheiro carne grelhada !?! Ahh! “Não pode ser!”, concluí, depois de levantar repentinamente a cabeça. Estava claro que tinha sido traído pelos meus sentidos, e nem tentei localizar a fonte de tal ilusão odorifera. E muito menos procurei tentar encontrar uma resposta para tal fenómeno, provávelmente do foro do subconsciente, para não dizer paranormal. O melhor mesmo era sair daquela zona perigosa do cérebro, pois carne grelhada era algo que certamente não iria provar nas próximas duas semanas…»
trata do Livro 'Os novos exploradores lusos', suas sequelas, e outras crónicas de viagens...
segunda-feira, 10 de maio de 2010
terça-feira, 4 de maio de 2010
Horizonte Branco ...
Passagens do meu diário de expedição no Alasca …
«Um passo atrás do outro, concentro-me na sequência e conto: “um, dois, um, dois …”. Continuo! Mas uma dôr distrae-me: o calcanhar esquerdo atrapalha-me, a canela direita também. Seguramente já tenho alguma bolha. Tenho que seguir, tento pensar noutras coisas... Dou a volta ao mundo em pensamentos: possibilidades profissionais, relações pessoais, recordações diversas de lugares e situações … Mas quando algum pensamento negativo emerge, tenho que procurar pousar a imaginação noutro galho. Até que, novamente, uma dôr me alerta: tenho os trapézios contracturados de carregar a mochila, agora já não com 20kg, mas com uns 8kg, mais o ‘pulka’, agora já não com 35kg, mas com 20. Apetece parar e mudar de posição. Mas depois, custará a arrancar! É preciso continuar! Um passo depois do outro. Um passo depois do outro. Senti-me mais pesado naquela subida da ‘motociclete’, mas fui conseguindo manter, junto com a cordada, um bom ritmo. No final daquela primeira subida do dia acabámos por demorar menos tempo do que no dia anterior…
Um passo depois do outro. Esta subida torna-se interminável…! Mas afinal não passou assim tanto tempo! É o esforço físico que custa mais e parece que faz o tempo passar devagar. Mas como é que outras cordadas passam por nós constantemente? Bom, eles parecem subir mais ligeiros! Um olhar de esguelha às suas mochilas e trenós, revela que, normalmente, carregam menos peso. Estaremos nós a cometer o erro de transportar muito de uma só vez, para ganhar tempo? É necessário continuar a dar passos. Aproximamo-nos do Windy Corner. O peso da mochila faz-se sentir e a força da gravidade puxa o trenó para baixo, e a mim para trás. Preciso de abstrair-me destes incómodos. O ranger dos bastões e dos crampons a cravar na neve dura retêm a minha atenção por momentos: imagino gemidos de pessoas ou o chilrear de pássaros. Não! Nada disso! Sigo ali, naquele ambiente gelado e inóspito do glaciar Kahiltna, frequentado apenas por corvos, que desenterram a comida dos depósitos, e outros pássaros mais pequenos, que se aproximam dos acampamentos. Na travessia para o campo 2, em que fomos colhidos por uma tempestade de neve e vento, um desses passaritos veio pousar na mochila do David e dali veio para a minha bota e, como lhe estendesse a mão, fugiu a refugiar-se no meu trenó, ali permanecendo algum tempo. O pobre, estava cansado, mas o vento sul, de frente, dificultava-lhe o vôo para altitudes mais baixas (…)». (continua)
Nota: ‘motociclete’ é a Motorcycle Hill, entre os campos 3 e 4
«Um passo atrás do outro, concentro-me na sequência e conto: “um, dois, um, dois …”. Continuo! Mas uma dôr distrae-me: o calcanhar esquerdo atrapalha-me, a canela direita também. Seguramente já tenho alguma bolha. Tenho que seguir, tento pensar noutras coisas... Dou a volta ao mundo em pensamentos: possibilidades profissionais, relações pessoais, recordações diversas de lugares e situações … Mas quando algum pensamento negativo emerge, tenho que procurar pousar a imaginação noutro galho. Até que, novamente, uma dôr me alerta: tenho os trapézios contracturados de carregar a mochila, agora já não com 20kg, mas com uns 8kg, mais o ‘pulka’, agora já não com 35kg, mas com 20. Apetece parar e mudar de posição. Mas depois, custará a arrancar! É preciso continuar! Um passo depois do outro. Um passo depois do outro. Senti-me mais pesado naquela subida da ‘motociclete’, mas fui conseguindo manter, junto com a cordada, um bom ritmo. No final daquela primeira subida do dia acabámos por demorar menos tempo do que no dia anterior…
Um passo depois do outro. Esta subida torna-se interminável…! Mas afinal não passou assim tanto tempo! É o esforço físico que custa mais e parece que faz o tempo passar devagar. Mas como é que outras cordadas passam por nós constantemente? Bom, eles parecem subir mais ligeiros! Um olhar de esguelha às suas mochilas e trenós, revela que, normalmente, carregam menos peso. Estaremos nós a cometer o erro de transportar muito de uma só vez, para ganhar tempo? É necessário continuar a dar passos. Aproximamo-nos do Windy Corner. O peso da mochila faz-se sentir e a força da gravidade puxa o trenó para baixo, e a mim para trás. Preciso de abstrair-me destes incómodos. O ranger dos bastões e dos crampons a cravar na neve dura retêm a minha atenção por momentos: imagino gemidos de pessoas ou o chilrear de pássaros. Não! Nada disso! Sigo ali, naquele ambiente gelado e inóspito do glaciar Kahiltna, frequentado apenas por corvos, que desenterram a comida dos depósitos, e outros pássaros mais pequenos, que se aproximam dos acampamentos. Na travessia para o campo 2, em que fomos colhidos por uma tempestade de neve e vento, um desses passaritos veio pousar na mochila do David e dali veio para a minha bota e, como lhe estendesse a mão, fugiu a refugiar-se no meu trenó, ali permanecendo algum tempo. O pobre, estava cansado, mas o vento sul, de frente, dificultava-lhe o vôo para altitudes mais baixas (…)». (continua)
Nota: ‘motociclete’ é a Motorcycle Hill, entre os campos 3 e 4
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